Já dizia um sábio e grande poeta chamado Maria Quintana: Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões, não falaria em Deus nem no Pecado — muito menos no Anjo Rebelado e os encantos das suas seduções, não citaria santos e profetas: nada das suas celestiais promessas ou das suas terríveis maldições... Se eu fosse um padre eu citaria os poetas. Rezaria seus versos, os mais belos, desses que desde a infância me embalaram e quem me dera que alguns fossem meus! Porque a poesia purifica a alma e um belo poema — ainda que de Deus se aparte — um belo poema sempre leva a Deus!
Um teólogo ao entrar em contato com os versos de Mario Quintana, dir-nos-ia que nosso artífice da literatura descreve de forma poética a diferença e semelhança entre teologia e mística. Sem dúvida, seus versos falam de sua experiência religiosa, de sua experiência de fé. Em suas palavras esconde uma certa racionalidade do mistério, mas ao mesmo tempo um anseio de tocar, não com as mãos ou a razão, neste mistério inefável. Ele deseja tocar com o coração, sentir que Deus fala diretamente ao coração, pois o amor é belo, Deus é amor, logo, Deus é belo e a poesia é a máxima expressão da beleza literária. Falar de Deus com poesia é unir mística e teologia.
Tanto a teologia quanto a mística, nascem da experiência de fé. A teologia da fé que ama saber: “fides quaerens intellectum” (a fé buscando entender) é a expressão clássica de Santo Anselmo. Ela nasce da angústia interior que a razão possui em querer explicar no que se acredita. Nessa tentativa de explicar o que se crer, a teologia cria o discurso sobre Deus. Só que ela sabe não ser capaz de abarcar todo esse mistério numa palavra ou num conceito. Reconhecendo não ser capaz de dissecar, tão pouco de esgotar, a experiência de fé; e dizer sobre esta tudo que se pode, ela inclina sua cerviz intelectual numa vênia profunda diante do mistério inefável e diz: “tudo é teoria, não passa de conceitos, visto não podermos manipular Deus, mandem chamar minha irmã, a mística. Ela sim tem muito a falar-nos. Enquanto estou aqui em baixo, esforçando-me para subir, ela tem livre acesso os céus, vê Deus face a face.”
Eis que ela emerge – também da experiência – mas já não dessa experiência intelectiva e especulativa. Como acentuou nosso poeta, não do que os profetas, santos ou até mesmo o anjo caído tem a nos dizer. Ela fala-nos a partir da sua íntima relação amorosa com o Amado. Como o discípulo amado fez na última ceia, sem o mínimo esforço de sua parte, a mística tem a alegria de ser convidada pelo próprio mestre a reclinar no seu peito. A ouvir o pulsar de seu coração. Escutar o ritmo de amor com que se movimenta.
O teólogo nos mostra teorias sobre Deus, já o místico, nos leva até Ele, para diante D'ele escutarmos: “não precisa de todas essas palavras, basta a comunhão, muito prazer, eu sou Deus que tentas dizer.”
Dalmo Siqueira
Seminarista, 2º ano de Teologia, Inhapim,
Diocese de Caratinga
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